top of page

Continuaram a peregrinar até o fim 

Os milhares de homens e mulheres que, em nome de Nossa Senhora de Fátima, percorreram 80 quilómetros a pé, da cidade de Maputo à Vila de Namaacha, já retornaram ao quotidiano comum. Para quem, como nós, acompanhou o percurso, conversando com os peregrinos, uma pergunta permanece: “O que move as pessoas a desafiar distâncias e sacrificar o próprio corpo em adesão à peregrinação?” 

Texto: Inocêncio Albino Fotos: Benilde Matsinhe e Inocêncio Albino​

A resposta curta, clara e objectiva é a fé. No entanto, ouvimos outras, motivações, algumas cómicas e outras excêntricas, exprimidas por alguns peregrinos.  “Não precisámos de carro. Apanhámos a boleia da fé para peregrinar até Namaacha”, disse uma mulher, perto de Maputo.

 

Em Impaputo, onde se instalou um núcleo improvisado de apoiantes ao peregrino, encontrarmos quem rejeitou o apoio. “Não quero massagens, água nem chá. Só preciso de chegar a Namaacha”, disse um jovem, e continuou a peregrinar. 

 

 “Neste ano eu pequei maningue, então deixem-me peregrinar”, disse outro jovem cujo nome não apurámos. Rimo-nos, não para o desvalorizar mas devido à forma cómica como falou. É provável que haja nessas palavras alguma verdade, afinal, por natureza, o homem é pecaminoso.

 

 

Peregrinos desde a infância

 

“Estudei na Missão Católica até à terceira classe elementar, mas não tive condições de continuar. Ou seja, eu nasci na Igreja Católica. Ao longo dos anos, conheci pessoas que se mudaram para outras religiões, o que eu jamais farei”, comenta Bomba, para quem a vida não faz sentido sem a peregrinação. 

 

Bomba lembra do tempo colonial: “Por causa do sistema vigente, naqueles anos a peregrinação era uma acção prestigiosa praticada por uma minoria. As pessoas tinham medo de confessar os seus pecados à Nossa Senhora de Fátima”.

 

Filomena Amade, ex-funcionária de um banco, de 59 anos de idade, fala dos anos pós independência. “Naquele tempo nós estávamos ocupados em actividades políticas do país. Havia pouca participação dos jovens nas igrejas. Agora, com a democracia, tudo é possível”.

A abundância de peregrinos idosos é uma prova da manifestação de fé. Sentados numa poltrona encontrámos Américo Mário Martins, de 65 anos, e o seu compadre, o senhor Bomba, de 63 anos.

Ambos pertencem à Paróquia da Ka Tembe e peregrinam desde a infância. Cada um possui uma história peculiar que move-lhe a preservar o ritual.

 

“Estudei na Missão Católica até à terceira classe mas não tive condições de continuar. Ou seja, eu nasci na Igreja Católica. Ao longo dos anos, conheci pessoas que se mudaram para outras religiões, o que eu jamais farei”, comenta Bomba, para quem a vida não faz sentido sem a peregrinação. 

 

Bomba lembra do tempo colonial: “Por causa do sistema vigente, naqueles anos a peregrinação era uma acção prestigiosa praticada por uma minoria. As pessoas tinham medo de confessar os seus pecados à Nossa Senhora de Fátima”.

O que aconteceu com a Igreja

Se para alguns crentes a fé em Deus é a força motriz que os move a agir, para outros, as desgraças sociais - pobreza, desemprego, fome e doenças - que assolam o povo, os levam a procurar amparo na Igreja.

 

Perante os problemas sociais – o número crescente de meninos da rua, de mendigos, de prostitutas, de desempregados, de doentes, bem como revoltas em diferentes áreas de actividade – há quem questione o papel da religião. 

 

Américo Martins considera “muito chocante que haja igrejas que afirmam que fazem milagres sem, no entanto, prestarem assistência aos milhares de enfermos que povoam os nossos hospitais”.

 

 

“Se em todas as religiões reza-se a Deus, a fim de que o mundo melhore, porque é que, nas cidades, as ruas estão cada vez mais infestadas por mendigos? Porque é que os religiosos que fazem milagres não se unem de modo que – com base no poder que Deus lhes concedeu – apoiem o Governo a minimizar a miséria do povo?”

 

Em Maputo, “as desgraças aumentam na mesma proporção que se edificam novos templos. Alguma coisa não está certa na religião. Penso que para Deus não devia haver propagandas. No entanto, no dia-a-dia, somos confrontados por gente vestida de fatos a propagandear o seu nome. Onde é que está o papel social das Igrejas, muito em particular as propagandistas, para suavizar estas misérias?”

Foto: Mercedes Sayagues

bottom of page